Ana Elizabeth Diniz
Desde o momento do nascimento, o corpo humano desempenha funções alimentares a partir da boca. O contato com o seio materno, além de proporcionar a ingestão do primeiro alimento líquido, é marco de uma intensa relação afetiva cujos desdobramentos têm sido objeto de estudo em vários campos do conhecimento humano.
A boca tem merecido atenção especial por parte de alguns estudiosos que defendem a teoria de que ela contém a quarta dimensão, o vazio bucal. Essa é a chamada odontologia sistêmica que utiliza os mais variados recursos técnicos para recuperar o espaço oral em todas as suas dimensões e trabalha com o conceito de que “o todo é mais do que a soma das partes”.
Segundo a odontóloga sistêmica Ione Alves Batista de Abreu, que trabalha há 15 anos com essa abordagem, a boca é o lugar onde ocorre a multiplicidade de processos orgânicos e estruturais do comportamento, que são complexos e vitais para o ser humano: ingestão e início da digestão dos alimentos, inspiração e expiração, a fala e outras modalidades de interação expressiva e afetiva, sexuais e sociais, além de interferir diretamente no equilíbrio corporal. “A boca é muito mais que um espaço que mastiga”.
A primeira função da boca é respiratória. “É aí dentro desse espaço vazio (quarta dimensão), que se aloja a língua, um órgão que em função das deformações da cavidade bucal pode afetar a respiração: se a boca é pequena demais, a língua vai ficar comprimida e ser projetada para trás, contra a epiglote que, por sua vez, comprime a glote (obstruindo o ar que passa pela garganta). Assim, diminui a entrada de ar para os pulmões, o que vai desencadear uma série de compensações e distúrbios que repercutirão sobre os processos metabólicos”.
A odontóloga ressalta que “ao proporcionar a cada paciente uma melhor estrutura e funcionalidade bucal, o tratamento sistêmico favorece uma postura corporal mais harmônica, que vai desencadear novos processos biofísicos e comportamentais numa dimensão existencial mais saudável e feliz”.
Revelações
A odontologia sistêmica estuda e analisa a relação da saúde bucal com o corpo e os aspectos emocional, mental e comportamental do indivíduo. Dessa forma, qualquer deformação ou disfunção do espaço bucal será visualizada como uma alteração em um complexo sistema de determinações em que todo o organismo está envolvido. O olhar sistêmico considera o organismo como um todo e nesse sentido as disfunções bucais são consideradas ao mesmo tempo causa e efeito de outros problemas orgânicos.
Segundo Ione Alves, “a sistêmica constrói seus princípios e fundamentos alicerçados sobre os valiosos conceitos desenvolvidos pela odontologia clássica e pela biocibernética bucal. Ela amplia esses conceitos e pretende superar essa visão dicotômica procurando interligar os vários campos do conhecimento humano. A perspectiva sistêmica pode ampliar o repertório de recursos terapêuticos, utilizando técnicas que, historicamente, têm sido construídas e aplicadas de maneira isolada por diversas especialidades”.
Analisa a relação entre as arcadas superior e inferior e o posicionamento dos dentes, dados que revelam a maneira pela qual o indivíduo está se estruturando na vida. Trabalhamos todo o tempo com o conceito de sistema. Cada dente representa um sistema (respiratório, circulatório, neural, hormonal, sensorial, excretor, digestivo, ósseo e muscular). A boca por sua vez representa um sistema dentro da sociedade, do mundo, do universo”.
A visão sistêmica, ao olhar a cavidade bucal, considera que o ser humano é um sistema aberto e como tal está interagindo com tudo o que acontece no seu mundo. O organismo também age desse forma e na tentativa de se manter em equilíbrio, cria as deformações no interior da boca também. “O ser humano fabrica cáries, quebra, entorta e perde dentes, faz sangramentos e cria uma série de sintomas na boca como uma tentativa de retomar o equilíbrio”, ensina Ione.
A odontóloga lembra que, “corrigindo as deformações, que são um mecanismo de compensação do soma (corpo) para manter o equilíbrio, a pessoa passa a estar mais integrada com a vida, com o mundo e com todos os valores que são verdadeiros para ela. O ser humano passa a utilizar o seu potencial reprimido. É um caminho que o coloca em contato com o seu mundo interno, trazendo mais autoconhecimento. A pessoa se apropria da sua autenticidade, daquilo que é verdadeiro para ela e sai dos padrões comportamentais ditados pela sociedade e às vezes eleitos por ela própria numa tentativa de ser aceita pelo mundo pelo outro”.
Mudança de padrões
O primeiro passo para promover uma mudança é o reconhecimento de alguns nós que própria pessoas vai tecendo ao longo de sua caminhada. “Dentro da odontologia sistêmica, à medida que o indivíduo entra no processo de tratamento holístico ele inicia uma jornada de autoconhecimento e transformação com mais segurança e alegria e sem de desestruturar. O abandonar hábitos e posturas estereotipadas pode ser mais ou menos difícil, variando de pessoa para pessoa. Por isso, a abordagem deverá ser individual, cada caso é único”, sentencia Ione Alves.
Através da associação de diversas técnicas como a reabilitação oral e do uso de aparelhos intra-bucais, o odontólogo vai procurando a reconstituição das curvas das arcadas, o posicionamento correto dos dentes dentro da boca, a melhoria da postura da coluna, a liberação dos movimentos da mandíbula e o aumento do espaço interno da boca. “ É bom ressaltar que, para se manter na boca o que se conseguiu, é necessário que cada movimento seja efetuado no ritmo do corpo e não no ritmo do dentista, ensina a odontóloga”.
Os três pilares da odontologia sistêmica são: o espaço, a postura e o movimento. A técnica mexe no comportamento emocional e mental porque quando dá mais à boca, dá-se mais espaço à vida. “Liberando-se os movimentos da mandíbula, dá-se maior liberdade ao viver e trabalhando-se sobre a postura, será com postura que de viverá. O indivíduo introjeta aquilo que se é, e a maneira de atuar, ser e estar naquele momento e naquele contexto”, diz Ione.
Ela alia ao seu trabalho a leitura corporal que identifica e interpreta os sinais e sintomas das desordens sociais. “Através dessa leitura, estudo e defino qual será o melhor caminho para a correção desses desequilíbrios, seja através do uso de aparelhos ou da indicação de massagem corporal, homeopatia, acupuntura e fitoterapia”, arremata.
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